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Arquitetura Vernacular na Chapada dos Veadeiros e o patrimônio cultural

HISTÓRIA E HERANÇA

A região da Chapada dos Veadeiros abriga diversos destinos para o ecoturismo e também uma rica história cultural por ser morada do maior quilombo do Brasil em extensão territorial, o Quilombo Kalunga, distribuído em diversas comunidades no interior da região. 
Na região, historicamente predominam os conhecimentos de técnicas tradicionais de construção com terra que foram sendo repassados desde a vinda forçada de pessoas negras escravizadas da África ao Brasil colônia e que, mescladas aos saberes construtivos dos indígenas que habitavam a região antes da formação dos quilombos, conseguiram sobreviver no tempo e serem aprimoradas com novos saberes, moldando-se às necessidades humanas. 
Esses conhecimentos foram sendo repassados entre as gerações do Quilombo Kalunga, o maior quilombo do Brasil em extensão territorial que abriga os afro-descendentes de africanos procedentes de Angola, do Congo e de Moçambique (Baiocchi, 1999), constituindo um grande patrimônio cultural. 

     O ensino hegemônico de arquitetura nas instituições de ensino superior no Brasil ainda mantém o foco na importação das técnicas construtivas européias e pouco se fala sobre a arquitetura verdadeiramente brasileira e descolonizada do europeu. Nesse sentido, temos na arquitetura vernacular dos povos nativos a verdadeira expressão nacional, podendo esta ser definida como aquela em que são empregados materiais e recursos do ambiente em que a construção foi construída, adaptada ao clima, economia e cultura locais e com os conhecimentos construtivos repassados de geração em geração (GARCEZ et al., 2014, p.23).
     Esses preceitos de arquitetura sustentável e adaptada ao local podem ser observados de forma nata e intuitiva em comunidades de povos tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos desde a escolha do terreno, a implantação orientada segundo a incidência solar e a direção dos ventos e a utilização de materiais disponíveis na natureza local. Segundo Melo e Ribeiro (2019), até o início do século XVII os carpinteiros brasileiros eram indígenas e hispânico-americanos.
     Para os autores, o construtor vernacular reproduz a tradição ao pensar e executar a edificação nativa popular, dispensando um projeto técnico e um profissional especializado como arquitetos e engenheiros e demonstrando a engenhosidade dos povos nativos que detinham conhecimentos práticos sem a necessidade de estudos teóricos específicos. Sendo um país de vasta extensão territorial e biomas diversos, o sistema construtivo dos povos nativos brasileiros varia entre as regiões de acordo com o clima, os ventos, a insolação, os materiais disponíveis localmente, as técnicas de execução e as sabedorias sócio-culturais de cada lugar.
     Na Chapada dos Veadeiros, historicamente predominam os conhecimentos de técnicas tradicionais de construção com terra que foram sendo repassados desde a vinda forçada de pessoas negras escravizadas da África ao Brasil colônia e que, mescladas aos saberes construtivos dos indígenas que habitavam a região antes de eles começarem a formar os quilombos, como os Xavantes, Kaiapós, Karajás e Avá-Canoeiros, conseguiram sobreviver no tempo e serem aprimoradas com novos saberes, moldando-se às necessidades humanas.
     Os primeiros quilombolas que começaram a habitar a região, no século XVII, precisaram aprender a sobreviver nesse espaço conhecendo a natureza ao seu redor e os recursos por ela oferecidos. Como bioconstrutores natos, aprenderam a distinguir nas árvores as madeiras úteis para construção de ferramentas, mobiliário e casas, como o jatobá, ipê, aroeira e sucupira branca, das quais podiam extrair os esteios para a casa de pau-a-pique, os barrotes e as vigas. As tabocas rachadas e os galhos finos de árvores do cerrado serviam de varas que, quando trançadas e amarradas com cipó, eram
recobertas com terra amassada com água, formando as paredes de taipa de mão. Palmeiras como o buriti e indaiá forneciam palha para cobrir os telhados das casas e algumas paredes também. Dos barrancos dos rios aprenderam a coletar o barro ideal para fazer adobe, entendendo que a resistência dessa terra era maior que a da terra crua (MEC, 2001).
     Esses conhecimentos foram sendo repassados entre as gerações do Quilombo Kalunga, o maior quilombo do Brasil em extensão territorial que abriga os afro-descendentes de africanos procedentes de Angola, do Congo e de Moçambique (Baiocchi, pág. 35, 1999), constituindo um grande patrimônio cultural.

     Almeida (2004) analisou a organização espacial dos Kalunga a nível territorial e constatou que ela possuía ao menos três esferas sócio-espaciais determinadas: vida familiar (casa), clã (casas de agregados) e coletiva (espaços coletivos e sagrados), sendo a casa o locus do cruzamento da rede familiar e da rede de reprodução biológica, enquanto que os "espaços sagrados" são o locus da rede de socialização e de sua reprodução sócio-cultural.
     Como observado pelo autor, a casa Kalunga segue uma racionalidade construtiva em sua arquitetura, com forma ortogonal e espaço interior bloqueado ao mundo externo, voltando os olhares para o interior da casa. As janelas, quando existentes, eram pequenas e muitas vezes se utilizavam seteiras, aberturas triangulares na parede comuns em fortificações militares.
     O emprego da palha nas coberturas das casas possivelmente veio como herança africana, colonial portuguesa e indígena (MEC, 2001). As mais utilizadas são as palhas do indaiá e do buriti, mas atualmente a utilização da palha como cobertura vem diminuindo devido à rápida propagação do fogo e a baixa durabilidade que a fibra possui.
     Os lugares sagrados destinam-se aos rituais coletivos que acontecem ao longo do ano, vinculados ao calendário religioso e agrícola, onde se vê o sincretismo religioso com o festejo dos santos católicos e de crenças africanas (Almeida, 2004).

     Mesmo que a região habitada pelos Kalunga seja rica em pedras, a construção com terra foi priorizada em suas moradias devido às suas vantagens em relação à extração, ao manejo, ao tempo de execução e à facilidade de expansão territorial, por ela ser mais simples e acessível em relação à construção com pedras, contribuindo para a autonomia do povo Kalunga (Almeida, 2004).
     O tijolo de adobe veio das cidades vizinhas para as comunidades Kalunga substituindo o emprego de fibras naturais como a palha em suas construções, que rapidamente propagam o fogo e tinham uma durabilidade menor, além da taipa de mão, ou pau-a-pique, que frequentemente atraía o mosquito barbeiro em suas frestas.

     Apesar de a terra, a palha e a pedra apresentarem prós e contras no emprego em construções, esses três materiais abundantes no território Kalunga permitiram a autoconstrução de base familiar, contribuindo para a fixação deste povo naquelas terras e deixando clara a relação entre a ocupação territorial e a moradia kalunga no sentido de que a construção com terra é forte, resistente e reforça o sentido de posse do lugar (Almeida, 2004).
     Mesmo sendo técnicas adaptadas ao local e acessíveis, a urbanização acelerada e a perda dos saberes populares pela introdução e incentivo ao uso de materiais industrializados e tecnologias importadas de outras regiões com a premissa do “desenvolvimento” estão afetando a arquitetura tradicional do lugar, trazendo construções descaracterizadas e perceptivelmente não adaptadas ao contexto e que ignoram os saberes da população local que possui entendimento completo do território e de técnicas vernáculas que garantem o verdadeiro valor arquitetônico das habitações no contexto em que se inserem. Outro fator que contribui para a perda desse patrimônio é a associação à pobreza comumente propagada sobre as construções com terra, afastando o interesse dos jovens em aprender com os mais velhos sobre essas técnicas e repassá-las às futuras gerações.
     O projeto Ciranda Viva Bioconstrução, conduzido pelo bioconstrutor kalunga Carlos Pereira, em Cavalcante, busca difundir os saberes construtivos kalunga entre os jovens da comunidade que querem se especializar nas técnicas e atuar no mercado de trabalho da construção civil, em alta na região. Projetos como esse reforçam a importância de valorizar e difundir o patrimônio arquitetônico local, e como essa preservação pode impactar positivamente as comunidades locais e o próprio mercado imobiliário.
     Representante de um patrimônio material e imaterial, a arquitetura vernacular deve ser vista como uma herança que não pode ser apagada ou substituída. Portanto, se por um lado o ecoturismo está promovendo o crescimento econômico para os municípios e motivando proteções ambientais, por outro observa-se uma lacuna com a falta de proteção do patrimônio cultural local. Paralelamente, a arquitetura vernacular pode trazer um movimento turístico também, dando origem a novos circuitos e difusão de saberes construtivos dentro da bioconstrução com eficiência energética estimulando um processo de recuperação e valorização desse patrimônio.

MATERIAIS E TÉCNICAS

Os primeiros quilombolas que começaram a habitar a região, no século XVII, precisaram aprender a sobreviver nesse espaço conhecendo a natureza ao seu redor e os recursos por ela oferecidos. Como bioconstrutores natos, aprenderam a distinguir nas árvores as madeiras úteis para construção de ferramentas, mobiliário e casas, das quais podiam extrair os esteios para a casa de pau-a-pique, os barrotes e as vigas. As tabocas rachadas e os galhos finos de árvores do cerrado serviam de varas que, quando trançadas e amarradas com cipó, eram recobertas com terra amassada com água, formando as paredes de taipa de mão. Palmeiras como o buriti e indaiá forneciam palha para cobrir os telhados das casas e algumas paredes também. Dos barrancos dos rios aprenderam a coletar o barro ideal para fazer adobe, entendendo que a resistência dessa terra era maior que a da terra crua (MEC, 2001). 
O emprego da palha nas coberturas das casas possivelmente veio como herança africana, colonial portuguesa e indígena. As mais utilizadas são as palhas do indaiá e do buriti, mas atualmente a utilização da palha como cobertura vem diminuindo devido à rápida propagação do fogo e a baixa durabilidade que a fibra possui. 
Mesmo que a região habitada pelos Kalunga seja rica em pedras, a construção com terra foi priorizada em suas moradias devido às suas vantagens em relação à extração, ao manejo, ao tempo de execução e à facilidade de expansão territorial, por ela ser mais simples e acessível em relação à construção com pedras, contribuindo para a autonomia do povo Kalunga (Almeida, 2004). 
O tijolo de adobe veio das cidades vizinhas para as comunidades Kalunga substituindo o emprego de fibras naturais como a palha em suas construções, que rapidamente propagam o fogo e tinham uma durabilidade menor, além da taipa de mão, ou pau-a-pique, que frequentemente atraía o mosquito barbeiro em suas frestas. 
Apesar de a terra, a palha e a pedra apresentarem prós e contras no emprego em construções, esses três materiais abundantes no território Kalunga permitiram a autoconstrução de base familiar, contribuindo para a fixação deste povo naquelas terras e deixando clara a relação entre a ocupação territorial e a moradia kalunga no sentido de que a construção com terra é forte, resistente e reforça o sentido de posse do lugar (Almeida, 2004). 

TURISMO E USO DO SOLO

Por ser uma região muito procurada pelo turismo, vem se intensificando a venda de terrenos e a implantação de empreendimentos para hospedagem em toda a região da Chapada dos Veadeiros, especialmente à partir da pandemia do coronavírus. Sob essa ótica podemos relacionar turismo, urbanização e especulação imobiliária com as alterações em curso na dinâmica demográfica dos municípios da região, uma vez que a alta procura por pousadas, hospedagens, bares e restaurantes intensifica o processo de gentrificação, empurrando o crescimento desordenado da cidade para áreas cada vez mais próximas às zonas de preservação ambiental e pressionando os sistemas de água e esgoto. Dessa forma, o turismo vem direcionando o uso do solo com danos ambientais e culturais, com a arquitetura local sendo substituída por espaços luxuosos que centralizam riquezas e segregam a sociedade com a gentrificação também pela sofisticação da arquitetura.
As consequências disso abrangem a perda dos saberes populares com a introdução e incentivo ao uso de materiais industrializados e tecnologias importadas de outras regiões com a premissa do “desenvolvimento”, construções descaracterizadas e perceptivelmente não adaptadas ao contexto, ignorando os saberes da população local que possui entendimento completo do território e de técnicas vernáculas que garantem o verdadeiro valor arquitetônico das habitações no contexto em que se inserem.

ARQUITETURA VERNACULAR BRASILEIRA COMO PATRIMÔNIO

O ensino hegemônico de arquitetura nas instituições de ensino superior no Brasil ainda mantém o foco na importação das técnicas construtivas européias e pouco se fala sobre a arquitetura verdadeiramente brasileira e descolonizada do europeu. Nesse sentido, temos na arquitetura vernacular dos povos nativos a verdadeira expressão nacional, podendo esta ser definida como aquela em que são empregados materiais e recursos do ambiente em que a construção foi construída, adaptada ao clima, economia e cultura locais e com os conhecimentos construtivos repassados de geração em geração (GARCEZ, 2014).
Esses preceitos de arquitetura sustentável e adaptada ao local podem ser observados de forma nata e intuitiva em comunidades de povos tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos desde a escolha do terreno, a implantação orientada segundo a incidência solar e a direção dos ventos e a utilização de materiais disponíveis na natureza local. Segundo Melo e Ribeiro (2019), até o início do século XVII os carpinteiros brasileiros eram indígenas e hispânico-americanos.
Para os autores, o construtor vernacular reproduz a tradição ao pensar e executar a edificação nativa popular, dispensando um projeto técnico e um profissional especializado como arquitetos e engenheiros e demonstrando a engenhosidade dos povos nativos que detinham conhecimentos práticos sem a necessidade de estudos teóricos específicos. Sendo um país de vasta extensão territorial e biomas diversos, o sistema construtivo dos povos nativos brasileiros varia entre as regiões de acordo com o clima, os ventos, a insolação, os materiais disponíveis localmente, as técnicas de execução e as sabedorias sócio-culturais de cada lugar.
Representante de um patrimônio material e imaterial, a arquitetura vernacular deve ser vista como uma herança que não pode ser apagada ou substituída. Portanto, no contexto da Chapada dos Veadeiros, se por um lado o ecoturismo está promovendo o crescimento econômico para os municípios e motivando proteções ambientais, por outro observa-se uma lacuna com a falta de proteção do patrimônio cultural local. Paralelamente, a arquitetura vernacular pode trazer um movimento turístico também, dando origem a novos circuitos e difusão de saberes construtivos dentro da bioconstrução com eficiência energética estimulando um processo de recuperação e valorização desse patrimônio. O ensino hegemônico de arquitetura nas instituições de ensino superior no Brasil ainda mantém o foco na importação das técnicas construtivas européias e pouco se fala sobre a arquitetura verdadeiramente brasileira e descolonizada do europeu. Nesse sentido, temos na arquitetura vernacular dos povos nativos a verdadeira expressão nacional, podendo esta ser definida como aquela em que são empregados materiais e recursos do ambiente em que a construção foi construída, adaptada ao clima, economia e cultura locais e com os conhecimentos construtivos repassados de geração em geração (GARCEZ, 2014).
Esses preceitos de arquitetura sustentável e adaptada ao local podem ser observados de forma nata e intuitiva em comunidades de povos tradicionais, como os indígenas, quilombolas e ribeirinhos desde a escolha do terreno, a implantação orientada segundo a incidência solar e a direção dos ventos e a utilização de materiais disponíveis na natureza local. Segundo Melo e Ribeiro (2019), até o início do século XVII os carpinteiros brasileiros eram indígenas e hispânico-americanos.
Para os autores, o construtor vernacular reproduz a tradição ao pensar e executar a edificação nativa popular, dispensando um projeto técnico e um profissional especializado como arquitetos e engenheiros e demonstrando a engenhosidade dos povos nativos que detinham conhecimentos práticos sem a necessidade de estudos teóricos específicos. Sendo um país de vasta extensão territorial e biomas diversos, o sistema construtivo dos povos nativos brasileiros varia entre as regiões de acordo com o clima, os ventos, a insolação, os materiais disponíveis localmente, as técnicas de execução e as sabedorias sócio-culturais de cada lugar.
Representante de um patrimônio material e imaterial, a arquitetura vernacular deve ser vista como uma herança que não pode ser apagada ou substituída. Portanto, no contexto da Chapada dos Veadeiros, se por um lado o ecoturismo está promovendo o crescimento econômico para os municípios e motivando proteções ambientais, por outro observa-se uma lacuna com a falta de proteção do patrimônio cultural local. Paralelamente, a arquitetura vernacular pode trazer um movimento turístico também, dando origem a novos circuitos e difusão de saberes construtivos dentro da bioconstrução com eficiência energética estimulando um processo de recuperação e valorização desse patrimônio. 

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